Muitas vezes, do nosso lugar de adultos, nos perguntamos: “O que falta para nossas crianças chegarem aqui onde estou, e serem tão boas ou melhores do que eu?”
A aquisição da Língua Inglesa pode aparecer nessa lista. Afinal de contas, é uma língua globalizada, que atravessa fronteiras (ela abre portas e janelas, mas também pode ser excludente com aqueles que não a dominam). Aprender inglês de pequeno, no imaginário de algumas pessoas, pode ocupar o lugar do que lhes faltou, daquilo que não se tem ou que poderia ser melhor dominado. Assim, não podemos deixar de ofertar às crianças, pensam algumas pessoas.
A verdade é que a meninada apreende muito, sua plasticidade cerebral é incrível. Então será que oferecer-lhes, desde a educação infantil, conteúdos de Língua Inglesa ou outra, garantiria um adulto bem sucedido? Bem sucedido, fluente em duas línguas, preparado para o mercado de trabalho… Idéias legítimas, que fazem parte do nosso universo de adultos.
Mas não há garantias. Na transmissão de saberes como um todo, sempre tem um sujeito que aprende. E o que cada subjetividade faz com os objetos de conhecimento, escapa ao controle de quem ensina.
Por isso, vamos nos voltar agora para quem aprende, às crianças. Começamos esse texto com a linguagem dos adultos, com a intenção de preparar as crianças para o futuro. Mas afinal de contas, que língua falam as crianças?
Entendemos a língua como mecanismo vivo. É objeto cultural, político, social e econômico. Só existe língua, se houver seres humanos que a falem.
Aprender uma língua não é saber memorizar e repetir em pronúncia perfeita ( inclusive esse aspecto pode virar objeto de discussão, afinal de contas quem é o detentor da pronúncia ideal em uma língua globalizada?). Falar uma língua é saber além da gramática, que faz parte do que chamamos de língua morta, é estar imerso em um coletivo em que as pessoas que a falam estão vivas. Ou seja, em constante relação e troca entre seres falantes, sendo alterados e alterando o meio em que vivem. Assim como nós, adultos, as crianças são agentes sociais.
As crianças precisam mais do que compilar e repetir processos objetivos. Elas querem fazer parte, estar em relação constante. A subjetividade das crianças precisa ser atravessada para que todo tipo de troca, entre elas de conhecimento, faça sentido. E são muitos os sentidos que elas vão buscando e construindo. Por exemplo, uma criança imersa em uma família com membros de nacionalidades diferentes, poder experimentar organicamente as semelhanças e diferenças culturais. Ela pode ter o paladar aguçado pela diversidade de sabores experimentados. Pode inclusive, aprender uma segunda língua para se comunicar com um primo que mora em outro país.
Para outra criança, o sentido e o desejo se estabelece na lida diária com a natureza, como por exemplo, ao contar quantos ovos tem no galinheiro ou quando planta e colhe batata doce e faz uma receita com a família depois. Nos exemplos citados, podemos pensar que, devido às experiências significativas, uma criança caminha para o letramento bilíngue e a outra para o letramento ecológico. Saberes que um pouco mais a frente, no ensino fundamental, farão parte de um arranjo mais científico e formatado.
Fato é que a criança da educação infantil tem muito a experimentar, e conjuntamente, aprender e ensinar. Educar uma criança não é ensiná-la a qualquer custo. Não é deixar que não aprendam, mas se colocar em relação para daí ouvir e ser guiado pelo olhar e caminhos que os pequenos abrem. Não é apenas incluir a criança, é dar-lhe lugar de protagonismo na construção do conhecimento, é não deixar minar a curiosidade inerente, é não deixar perder a iniciativa em seus interesses. É saber que não se prepara a criança para o futuro, pois a vida dela já acontece no presente e ela é um sujeito hoje!
Por fim, é importante vislumbrar quais escolhas educacionais serão priorizadas nas muitas possibilidades que uma criança tem em seus processos de aprendizagem. Memorização, repetição, capacidade de solucionar problemas, confiança, oralidade, socialização. Ou ainda, aprender sobre a língua mãe, língua estrangeira, sobre suas urgências afetivas, sobre competição e exclusão. Pensar em qual desses exemplos o aprendizado de língua estrangeira se aplica à sua criança e se fazer a pergunta: “o que minha criança deseja aprender hoje?” é fundamental para que as experiências de aprendizagem, incluindo de Língua Inglesa, faça sentido.
Paula Fiuza, educadora, psicóloga e mãe de 3
Referências:
- PPP CLIC!
- Livro CLIC! ( O que vamos fazer hoje?)
- Preconceito linguístico, o que é, como se faz ( Marcos Bagno)
- Mitologia do ensino-aprendizagem do inglês para crianças (Cláudia Jotto e Marina Márcia Rosa)