Quando a programação televisiva que as crianças tinham acesso era da TV aberta, os desenhos animados transmitidos eram programas feito para crianças e esse fato ficou arraigado no nosso imaginário dentro da cultura brasileira. Quando passamos para as programações de streaming, outras culturas chegam com muito mais facilidade e rapidez às nossas telas e às nossas crianças, como desenhos animados para adolescentes e adultos, e isso nos confunde enquanto pais e educadores. É muito mais complexo para nós avaliar um mangá japonês, que traz um arcabouço cultural que temos menos acesso, do que um desenho da Pixar por exemplo.
Frente a essa globalização cultural das produções televisivas, o mercado do consumo “entendeu” que personagens da nossa infância, temas e estética de desenho animado, encantam os adolescentes e adultos, o que gerou uma exploração dessa ideia, que a princípio não gera diretamente uma questão.
Contudo, quando liberamos para nossas crianças os desenhos e filmes com personagens e estéticas de desenhos, chegamos em um ponto complexo. Um exemplo desse mercado foi a série da Wandinha, filha dos Adams. Família Adams é um filme que não é de todo politicamente correto, mas que retrata temas de terror com um olhar cômico, inocente, típico da infância. A criança brinca com a morte e revive logo depois, vira e “desvira” monstros, assim como ocorre nos filmes da família Adams. Já a série da Wandinha, foi feita para adolescentes e adultos, pois trata a violência de uma forma mais realística e crua, com cenas de tortura com o final real, e não o personagem que reaparece após cair de um penhasco.
Esse exemplo é metafórico, de como precisamos dar acesso para as crianças elaborarem o mundo que vivem, que tem sim sentimentos de medo, nojo, angústias, que utilizam as histórias para viverem perigos e situações emocionantes que não seria possível na vida real, sem lançá-la ao mundo e a lógica do adulto.
A classificação indicativa de filmes, séries e desenhos, ela não é uma verdade absoluta, mas utiliza o desenvolvimento infantil para seus critérios, então, não é uma escolha aleatória. Por vezes, não compreendemos a classificação que tem sim seus equívocos, e a responsabilidade e avaliação da família é essencial a todo momento
O mais importante nisso tudo, é não lançarmos as crianças dentro de uma realidade que ela não tem condição pśiquica de elaborar. Em um primeiro momento, pode até ser que ela pareça estar tranquila com o que viu, mas no processo de elaboração podemos nos deparar com medos inexplicáveis, enurese noturna, comportamentos agressivos fora de casa, inabilidade social uma vez que a violência se torna naturalizada nas relações, dentre outros são sofrimentos que podem aparecer por agora ou mais tarde, quando tiverem acesso a situações mais tensas e densas da vida humana, na adolescência. Lembrando que os jogos online, atualmente, também precisam desse mesmo crivo familiar.
Sendo assim, quando higienizamos os conteúdos que as crianças têm acesso pulando a parte que dá medo, ou docilizando a bruxa da história, contamos para as crianças que sentir medo, angústia, raiva não é permitido e ela começa a achar que tem algo errado com ela mesma, desumanizamos nossas crianças em busca de um ser humano feliz e sem conflitos e isso não existe. Contudo, lançar a criança na lógica adolescente e/ou adulta, lógica de cérebros que precisam de mais intensidade para serem estimulados, também é um tipo de desumanização das nossas crianças uma vez que gera uma incompetência social ou pela naturalização da violência ou pelo medo excessivo do mundo.
O convite dessa reflexão é: acompanhe seu filho nas telas, em todas! Assim você conseguirá discutir, intervir e até desligar o aparelho e ir brincar!
Texto por: Letícia Fernandes