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Dia das crianças e o consumo

O dia das crianças traz para nós, mães e pais, constituídos dentro de um pensamento colonial, uma certa obrigatoriedade da satisfação dos nossos filhos, afinal é dia deles! 

Isso nos coloca em dois problemas:

Primeiro que as crianças, assim como nós, estão inseridas no mercado capitalista consumista – talvez dizer estes dois termos juntos seja redundância mas isso é papo para outra hora. Este mercado estuda o desenvolvimento infantil, estuda como pensam em cada idade os pequenos, para tê-los como a maior isca, a fim de que os adultos – que tem o poder de compra – consumam. A lógica do mercado enxergou nas crianças o alvo mais rentável para vender. Já assistiram “Criança, a alma do negócio”* da produtora Maria Farinha filmes? É um documentário que provocou essa discussão há mais de 10 anos!

Mas porque o mercado enxergou este público como rentável? Com esta questão, chegamos ao segundo problema: as crianças têm uma voracidade que lhes é própria, tem uma demanda de satisfação incessante, pois ainda não tem a capacidade de adiamento do prazer desenvolvida. Quem as convidam a experimentar esse adiamento e perceber o que é possível e desejável socialmente, são os adultos imbuídos na sua educação. Naturalmente, a criança não se educa! 

Então, quem seria a melhor isca para a lógica do mercado do que a parcela da sociedade que ainda não adia o prazer com facilidade? 

Sendo assim, segundo Maria Rita Kehl, as crianças abandonadas da contemporaneidade, que chegam aos consultórios de psicologia, não são, necessariamente, aquelas cujos pais não estão o tempo todo em casa para exercer os cuidados e dar atenção! São abandonadas na sua saúde psíquica, são crianças, nas mais diversas configurações familiares, “cujos pais não se responsabilizam pela dura tarefa de impor limites” (Kehl, Café Filosófico², 2018). Pedindo licença a Maria Rita, vou estender o termo “pais” para os adultos que convivem, diariamente, com a meninada. 

Nossas crianças precisam ter o corpo satisfeito (inclusive satisfação escópica das telas) para criar outras alternativas, estratégias saudáveis que estão na imaginação e nas travessuras necessárias… tudo bem elas “odeiarem¹” o adulto que as frustram por um tempo, vai passar… elas precisam criar saídas, ousadias mentais que vão ser sementes para a coragem de inovar na vida adulta. 

Então, no dia das crianças, vamos oferecer o possível! Vamos oferecer o quê os adultos da família avaliaram que é o melhor, que fará BEM, que faz sentido para a cultura familiar e não represente o sacríficio dos adultos para a satisfação das crianças. Seja um passeio desejado, uma comida, uma viagem e até um presente desde que tenha passado pela avaliação mais profunda e “crivo” do adulto! Mesmo que o presente, o passeio, a comida não sejam, a primeira vista, o que a criança pediu (uma vez que sua demanda é infinita), e ela não pule nos nossos pescoços nos garantindo o título de melhor mãe / pai do mundo, ela não se sentirá menos amada e, muito provavelmente, se sentirá mais cuidada e olhada do que a criança que ganha de tudo indiscriminadamente. Como sujeito que é, elas têm uma sabedoria e agradecem, após o momento inicial de frustração, o limite que é colocado com amor e firmeza, porque isso a salva da sua pŕopria voracidade. 

obs: Sobre o documentário Criança, a alma do negócio

No documentário “Criança, A Alma do Negócio”, a cineasta Estela Renner analisa os efeitos que a mídia de massa e a publicidade têm em relação às crianças, mostrando como a indústria descobriu que elas são os melhores alvos para venda de produtos. Além de ouví-las, o filme conversa com os pais que relatam o quão influentes seus filhos são dentro de casa e como isso está ligado diretamente com as propagandas. Além disso, especialistas debatem os efeitos negativos dessa exposição.

Por Letícia Fernandes